Se cerró la ventana por donde entró la esencia salada del visitante. No te moverás del lugar que escogió para ti. Después, incendiado el aire, cierras los párpados de fiebre.
Al poco rato, cuando los abras en otro lugar, el mundo habrá cambiado. Si tu muerte aplazada se mantiene inmutable - y en la última casa de niebla el corazón se ilumina. Resplandece un segundo el nombre con que digo te amo.
Los dedos sujetan el ovillo de nubes con que te dejo un fúnebre collar. Ánforas de astros, herrumbre de la noche, oro de la mirada. Rostro contra la imagen del rostro.
En vela, siento el calor de tu cuerpo envolverme. Enrollo el collar en los cabellos. El perfume acre de la tierra mojada se infiltra en las palabras susurradas al oído. Y de tu pecho llega una nostalgia que me envenena. Crece un hilo de cobre en la línea húmeda de los labios. Nos abrazamos.
Tu sexo se yergue contra mi paladar. El rumor prolongado del mar nos protege.
Precario resplandor de los cuerpos saciados. Precario semen. Dejamos lentamente que venga el sueño a través del silencio.
Ningún recuerdo nos va a separar antes de la mañana.

     La tempestad, la del alma que se apaga, y la que precipita el relámpago entre las nubes de plomo, surge de la pared. Visión del cuervo fulminado, visión de Samarcanda ardiendo. Queda, última, en el interior de tu propio cuerpo.
¿Qué vemos desde la cima del espiral interrumpida?
¿Qué paisaje suspendido al precipitarse desde un lugar sin fin?
Una fuente corre, incesante, hacia el laberinto de la memoria. Hay en ti un silencio donde alguien dejó caer un sol, una resonancia de pasos que se alejan, una espera... porque la permanencia de la muerte, y la vida entera, están adormecidas en el exiguo espacio del cuerpo.
Y en este abandono tatué un rostro, un rostro de ceniza que busca el cántico del corazón, e injerté un tronco de luz. Sustituí tu cabeza y tus manos por una corriente de aire. Después te dejé flotar en una órbita alrededor de mi pensamiento.
Te abrí los ojos con la punta de un cuchillo, y en el fondo de ellos, quemé la lengua.
Coloqué una rosa seca en el lugar de la pasión.
Pero si navegaras por la ruta de los grandes sueños, no encontrarías nada. Sólo arena - donde tus antiguos pasos marcaron a sangre la desolación de los días, las inútiles travesías de las ciudades y de los continentes.

     Y ante el espejo ves el rostro transformarse en bruma de pétalos macilentos. Luminosidades azules apagándose en los ojos. Brillo que bebe la saliva de tu boca.
Levanta entonces un dedo y apunta, clávalo en tu propia carne, clava la uña en la mente todavía hambrienta de la luz. Verás escurrirse un semen cristalino hasta la boca sedienta de aquel que amas.
Tiempo suspendido en la saliva de la noche. El secreto permanece en la última palabra que se seca, abandonada, en el borrador.
Estuviste en un lugar en el fondo de mí. Lugar oscuro,sin aire - donde ya no se consigue nombrar el mundo.
Pero llegado el momento, el cuerpo se te hinchó por el ansia de regresar y el alma con la voluntad inamovible de sustituir el mar por tu sonrisa. Regresaste para suicidarte en mi rostro.
Me encojo para recibirte, como el gusano de seda se encoge en su capullo.
Intento protegerme de lo que me rodea. Lo ignoro todo en un intento inútil de comenzar nuevamente a vivir.
Tierra, tierra fecundada por el silencio. Tierra luminosa que recibe a quien perdió su rostro y el visitante convirtió en polvo.

O corvo voa como uma navalha arremessada à boca daquele que escreve. Vem pousar no ombro luminoso da fala. Segreda àquele que escrebe palavras negras, tao negras quanto as suas asas o podem ser:
- Não houve um só dia em que nao tenha apaixonado por ti. Em que não tenha pensado, em pleno voo, desmembrar-te à bicada. Apenas te quero dizer, Alexandre, que cheguei a entender a linguagem límpida dos pássaros,a ler o nosso futuro nas entranhas das vítimas, a vencer o medo, as serpentes por meio de encantamentos, a evocar as sombras, a escavar a cidade até aos seus abismos profundos, a fazer do dia noite  e da noite fazer dia...
Mas, se olhares o firmamento, descobrirás uma estrada de astros. Verás que uma estrela começa a cair. Deves, então, observar atentamente o seu percurso, e o lugar onde por fim se extingue.
Nesse ponto da noite insone encontrarás Samarcanda.

      Ali se morre no escoar lodoso do tempo - como as
aves migratórias que se extraviam do percurso antigo habitual, e caem no mar...afogando-se na tua mente com um estertor de sangue.
E as noites, as cintilantes noites de Samarcando, estão povoadas de pequenos espectros de éter que se erguem dos poros da terra e cantam. Amarinham pelas paredes esquálidas do sono.
Ficas assim, o suor escorrendo-te da fronte, os lábios estremecendo, as maos aflitas sobre o peito - os olhos esbulgalhados a perscrutarem no escuro os olhos felinos dalgum aéreo visitante.
Por vezes, não conseguimos viver com aquele que amamos - e por ele perderíamos tudo, incluindo a razão.
Vive-se sozinho, meio acordado, numa espécie de torpor. E no interior das pálpebras fazemos aparecer o rosto amado.
Gostaríamos que estivesse aqui, ao alcance das palavras que reinventamos para lhe sussurrar, ao alcance da mão e da boca, ao alcance dos sentidos e do desejo imediato.
Un ardor estranho sobre a pele e nos olhos impedeme de continuar vivo. Morro sem pressa. Começo por cegar para conservar o teu sorriso-não o quero ver afastarse para sempre, na velhice ou num esgar.

   A janela por onde entrou a essência salgada do visitante fechou-se. Não te moverás do lugar que ele escolheu para ti. Depois, o ar incendeia-se, fechas as pálpebras de febre.
Daqui a pouco, quando as abrires noutro lugar, o mundo terá mudado. Se a tua morte, a prazo, se mantém imutável-e na última casa de nevoeiro o coração faz-se luz. Resplandece, um segundo, o nome com que digo amo-te.
Os dedos prenderam o novelo de nuvens com que teço o fúnebre colar.
Ânforas de astros, ferrugem da noite, ouro do olhar. Rosto contra a imagem do rosto.
Em vigília, sinto o calor do teu corpo envolver o meu. Enrolo o colar nos cabelos. O perfume acre da terra aberta á chuva infiltra-se nas palavras sibilidas ao ouvido.E do teu peito vem a nostalgia que me envenena. Cresce um fio de cobre na linha húmida doa lábios. Abraçamo-nos.
O teu sexo ergue-se contra o céu da boca. O rumor longínquo do mar protege-nos.
Precário resplendor dos corpos saciados. Precário sémen. Lentamente deixamos o sono vir por dentro do silêncio.
Nenhuma memória antes da manhã que nos há-de separar.

   O visitante deambula no epicentro da noite.
Obsevas-te ao espelho. Fumas um cigarro. O seu hálito estagna na curva da nuca. A ponta do cigarro cintila algures, muito longe, no fundo da tua imagem. Acendes a lâmpada das horas, mas não consegues reconhecer-te nas remotas imagens adolescentes.
Por fim,ouvirás uma voz no corredor-mas as palavras não conseguem sossegar-te. Afundas-te na palavra mar. Levantas-te e demoras-te na palavra casa. Desfaleces na palavra sonho. Inquietas-te com a palavra pernoitar.
A ausência do corpo que amas é vasta-como vasta é a insónia que avança,cruel, a golpes de sonífero, a golos de água. Agunhas que, a puco e pouco, se espalham pelas artérias.
E digo para mim mesmo:
—Sei que um dia virás da poeira fosforosa do tempo sem lugar. E partilharemos de novo a casa abandonada, e a comida podre dos mortos. Sei que a parte de mim que esquece estilhaça dentro da que jamais te esquecer.
As águas fissuram-se e uma língua de fogo sobe do teu rosto. Levantas-te e caminhas de um lado para o outro. Fora do amor a vida tem menos tempo, dizias.
Na mão seguras o fio da respiração, e uma espécie de orvalho escorre-te do sexo intumescido.

   A tempestade, a da alma que se apaga, e a que faz despenhar o relâmpago por entre nuvens de chumbo, surge na parede. Visão do corvo fulminado, visão de Samarcanda a arder. Queda,  última, para dentro do teu própio corpo.
Que vemos do cimo da espiral interrrompida? Que paisagem suspensa se avista enquanto te despenhas daquele lugar sem fim?
Uma fonte corre, incessante, para o labirinto da memória. Em ti há um silêncio onde alguém deixou cair um sol, uma ressonância de passos que se afastam, uma espera...porque a perenidade da morte, e a vida inteira, estão adormecidas no exíguo espaço do corpo.
E neste abandono tatuei um rosto, um rosto de cinza que busca o cântico do coração, e enxertei um tronco de luz no teu braço. Subtituí-te a cabeça e as mãos por uma corrente de ar. Despois, deixei-te flutuar numa órbita em redor de meu pensamento.
Abri-te os olhos com a ponta de uma faca, e no fundo deles queimei a língua. Coloquei uma rosa seca no lugar da paixão.
Mas, se navegares na rota do grande sono, nada encontrarás. Somente areia-onde os teus antigos passos maracaram a sangue a desalação dos dias, as inúteis travessias das cidades e dos continentes.

     E, frente ao espelho, vês o rosto transformar-se em bruma de pétalas macilentas. Luminosidades azuis apagando-se nos olhos. Brilho que te bebe a seiva da boca.
Levanta, então, um dedo e aponta, crava-o na tua
própria carne, cravaa unha na mente ainda faminta de luz. Verás escorrer um sémen cristalino para a boca sedenta daquele que amas.    
Tempo suspenso na saliva da noite. O segredo permanece na última palavra que seca, abandonada, no mata-borrão.
Estiveste num lugar do fundo de mim. Lugar escuro, sem ar-onde se pode abandonar a alma e deixar o corpo secar. Lugar onde já não se consegue nomear o mundo.
Mas, a dado momento, encheu-se-te o corpo com a ânsia do regresso, e a alma com a vontade inabalável de substituir o mar pelo teu sorriso. Regressaste para te suicidares nomeu rosto.
Encolho-me, para te receber, como o bicho-da-seda se encolhe no casulo.
Tento preteger-me do que me rodeia. Ignoro tudo numa tentativa inútil de recomeçar novamente a viver.
Terra, terra fecunda pelo silêncio. Terra luminosa, recebe aquele que perdeu o rosto e o visitante transmudou em pó.

    Por último, aqui tens o espinho da rosa de todos os poemas. Deixa que a tua língua se fira nele-para que não haja escassez de palavras na travessia dos grandes invernos.
Aqui te deixo, como herança, o selo luminoso. O fim e o início. A carta que não tem   resposta. Carta onde o silêncio enegreceu o que nela vai escrito.
Abre o envelope com cuidado, não deixes os olhos mergulharem no ácido das sílabas. Ou não a abras e acorda.
Desce os quatro andares a correr. Vais ver que a caixa do correio está vazia,e a morte continua a assolar-te-a prazo.

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